sexta-feira, 24 de julho de 2009

Quem tem medo de Plínio Marcos?

*Material levantado e publicado em trabalho acadêmico da Universidade de Brasília, no Curso Abril – Edição de textos em revista. Alunos escritores: Eduardo Fernandes, Fernanda Siqueira, Iuri Tôrres e Jamila Tavares


Há 50 anos, em Santos, no estado de São Paulo, um rapaz de 22 anos ficou chocado com uma notícia de jornal: um adolescente havia sido preso por um motivo banal e foi violentado sexualmente no cárcere. Ao sair, decidiu se vingar, matando quatro ex-companheiros de cela. A história mexeu tanto com os nervos do jovem que foi a inspiração para Barrela, primeira obra de Plínio Marcos. Há quatro anos, em Brasília, o grupo Teatro do Concreto iniciava a pesquisa que resultaria em Diário do Maldito, texto sobre o dramaturgo, mostrando que nem a diferença de meio século diminui a relevância do teatro dos sem voz.

“Enquanto houver alguém na miséria, um Estado autoritário, falta de políticas públicas, abandono e iniqüidade humana, Plínio vai ser atual”, avalia o jornalista Fred Maia, estudioso da obra de Marcos. “Recebo pedidos o tempo todo para adaptações de obras do meu pai, mais de 100 por ano, mas nem todas se concretizam”, continua Kiko Barros, filho de Plínio e detentor dos direitos autorais sobre os textos. Entre os projetos, adianta Kiko, está uma biografia escrita por Oswaldo Mendes e um documentário dirigido por Júlio Calasso.

Morto em 19 de novembro de 1999, após 27 dias internado no Instituto do Coração, em São Paulo, o dramaturgo deixou órfãos os “pés-de-chinelo” do Brasil. Como ele mesmo dizia, “nem Deus olha pelos meus personagens.” Marco na cultura tupiniquim, tinha na cultura irreverente e nos diálogos afiados a base de seus textos, pensados, essencialmente, para o ator, sem adornos cenográficos. Voz atuante nos anos de chumbo, viu o sol nascer quadrado diversas vezes, assim como viu grande parte das suas obras ser censurada, sempre taxado de subversivo. “Ser impedido de trabalhar, de ganhar o pão de cada dia com o suor do próprio rosto é terrível. Você tem a sensação de que é um exilado em seu próprio país.”

Barrela, escrita em 1958, estreou oficialmente apenas em 1980, ano em que as obras de Plínio foram liberadas – até então, tudo que escrevia, ao chegar a Brasília, era sumariamente censurado. A única opção era a clandestinidade, ajudado por amigos: não apenas atores, caso de Cacilda Becker e Tônia Carrero, mas artistas mambembes e charlatães em geral. A censura criticava, principalmente, a linguagem “subversiva” e a temática “pornográfica” utilizadas por Plínio. Ele não foi o primeiro a trazer linguagem falada nas ruas para os palcos do teatro, mas foi um dos precursores em colocar, por exemplo, uma prostituta como a Neusa Suely de Navalha na carne como protagonista.

Sua contribuição para a arte do país não ficou presa apenas ao teatro adulto: escreveu peças famosas para as crianças, como O Coelho e a Onça (1988) e Assembléia dos Ratos, do ano seguinte. Plínio Marcos contribuiu para a cultura popular ao participar de festas tradicionais e do cenário musical, além de marcar a passagem pela literatura, caso do clássico Querô – Uma reportagem maldita, de 1976, mais tarde adaptada para o teatro e para o cinema.

Concreto armado

Brasília não é mais uma ilha. O crescimento desenfreado das cidades vizinhas já se reflete nas ruas sem esquinas da capital do País. Mas, para muitos moradores do Plano Piloto e de outras áreas nobres, os pedintes não combinam com as formas desenhadas por Oscar Niemeyer. Apesar disso - ou talvez por isso - a escolha do grupo Teatro do Concreto de reinterpretar a obra de Plínio Marcos causou estranheza. Como reler um autor conhecido por transformar marginalizados em protagonistas numa cidade em que o paletó é uniforme quase diário e não roupa reservada para ocasiões especiais? Para encontrar a resposta, o grupo mergulhou por dois anos na obra do autor maldito. Além de ler as obras produzidas por Plínio, os integrantes do grupo investigaram sua vida, visitaram favelas do entorno de Brasília, conversaram com travestis, prostitutas e agentes penitenciários. O resultado é Diário do Maldito, peça onde vários personagens inspirados na obra de Plínio se encontram com o autor.

O encontro é intenso. Os personagens não agradecem pela chance de ter voz, eles cobram do poeta – encarnação de Plínio – carinho e um posicionamento. "Em uma cena de Diário, uma personagem inspirada na prostituta Neusa Suely, de Navalha na Carne, pede ao poeta que ele lhe escreva uma história de amor, uma linda noite com Vado", conta Francis Wilker, diretor da peça. Em outra, a personagem afirma que o poeta deve tudo aos fudidos, que ele só é o que é por causa deles. Para Wilker, a escolha de Plínio por retratar os marginalizados repercutiu intensamente em sua vida. "É complicado ser artista. Você paga um preço pelas escolhas que faz e o Plínio pagou um muito alto pelas que fez: foi demitido várias vezes pelo tipo de obra que criou e teve que se virar porque ninguém o queria por perto."

Para os integrantes do Teatro do Concreto as críticas de que a obra de Plínio é muito datada e que hoje estaria fora de contexto não condizem com a realidade. “Há um desejo comum no grupo de falar de um País que a gente faz de tudo para não enxergar. E pra nós o Brasil de Plínio é super atual. É triste, mas o Brasil que o Plínio retratou na obra dele não é um país distante do nosso, é um Brasil que a gente vive o tempo inteiro”, avalia Wilker. Essa visão está na essência do grupo.

O Teatro do Concreto é formado por atores que moram em cidades vizinhas a Brasília e que convivem com realidades diversas da Esplanada dos Ministérios e do Congresso Nacional. “Ter contato com a obra do Plínio e aproximar isso da nossa realidade deu uma outra amplitude ao trabalho. Eu deixei de olhar para meu umbigo e percebi que existem coisas muito mais sérias”, afirma a atriz Maria Carolina Machado. Para Wilker, a aproximação com a obra de Plínio fez o grupo querer ouvir mais vozes, se questionar para quem eles fazem arte. “O Plínio não se preocupa em julgar os personagens em sua obra. Ele apresenta situações tão nuas e cruas como elas são e usa uma linguagem muito próxima do cotidiano, que era usada nos presídios, nos puteiros. Essa busca de proximidade com o ser humano, sem julgamentos, acabou influenciando o grupo”, ressalta.

A aproximação com um público diferente do clássico de teatro se concretizou com a estréia de O Diário do Maldito. Após dois anos de pesquisas, o grupo tentou estrear a peça em vários palcos da cidade e, várias recusas depois, foi parar na Oficina do Perdiz. A oficina mecânica de José Perdiz é um dos palcos mais inusitados da capital federal. De dia, o lugar funciona como toda oficina tradicional onde se conserta carros. De noite, a graxa e as ferramentas dão espaço para grupos iniciantes de teatro.

Se para alguns a falta de recursos técnicos seria um obstáculo intransponível, para o Teatro do Concreto as limitações da Oficina - falta de iluminação, goteiras, arquibancada improvisada - complementavam o texto de Diário. “Todas as dificuldades da Oficina do Perdiz potencializavam o discurso da peça. A estética da sujeira tem muito a ver com a obra do Plínio e com o que queríamos passar”, afirma Aline Seabra de Oliveira, atriz. Wilker frisa que o espaço da Oficina acabou influenciando na peça: várias marcações foram feitas ali, assim como os atores destacam que seus personagens ganharam vida no lugar. “A Oficina do Perdiz é uma metáfora concreta do espetáculo: dentro de uma oficina que luta para continuar existindo – veja mais informações no box abaixo – nós falamos de um autor que dá voz aos que não têm voz e que lutou muito para se manter”, conclui Wilker.

3 Comentários:

Blogger joyce disse...

Boa Noite, encontrei este site procurando textos sobre Plinio Marcos, pois estou fazendo uma monografia sobre este autor, e cada vez que estudo sobre este dramaturgo me apaixono.
Gostaria de saber se vcs tem algum material que possam me fornecer para eu enriquecer meu trabalho.
joyce_facu@hotmail.com
Desde já agradeço, e parabéns peolo trabalho be´líssimo que vcs fazem....
um forte abraço , Joyce

6 de setembro de 2009 às 17:26  
Blogger Ju Albuquerque disse...

Fiquei extremamente feliz ao ler esse post. Saber que existe um grupo de teatro apaixonado pela obra e vida do Plínio Marcos e que também compartilham da visão artística social dele.
Como estou com vontade de assistir essa peça "Diário do maldito". Gostaria de saber se as apresentações ainda estão acontecendo por aí?
Se puderem me responder, julianachristie@yahoo.com.

Parabéns pelo texto e pela iniciativa.
abraços cênicos a vocês.

13 de setembro de 2009 às 10:53  
Blogger Adriano Dias disse...

Queria conhecer melhor o grupo.Vcs estão pensando em realizar alguma atividade em setembro ou em novembro?

É incrível como na Universidade não se conhece o seu trabalho.É por isso que a minha monografia será com base na sua obra

o meu email é drico20042002@yahoo.com

29 de setembro de 2009 às 09:52  

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