quarta-feira, 4 de agosto de 2010

SOBRE TECER MEMÓRIAS E BORDAR SONHOS...

Meu nome é Rosa e Rosa é o nome mais safado que tem...
por Aline Seabra.

Antes de iniciarmos as apresentações nos asilos pelo projeto “Tecendo
Memórias e bordando sonhos” muitas eram as expectativas... Será que fizemos a escolha certa? Será que eles irão gostar? Por que apresentar Borboletas? O que queremos com esse projeto? Estamos sendo éticos?... Perguntas e mais perguntas que eu acho que ainda hoje, mesmo depois de várias apresentações, ainda rondam nossas mentes ou pelo menos a minha.
A princípio, confesso, que estava com um sentimento “romântico” de achar que nós éramos muito legais em levar o teatro para eles. Mesmo sabendo que nos propúnhamos a troca ,rolava um sentimento meio inconsciente e vela do de superioridade, como se nós tivéssemos muito mais a oferecer do que a receber. Hoje ainda estou formulando o que penso. É difícil digerir o excesso de informação presente naquelas imagens, histórias, cheiros, vozes, enfim, naquela densidade que só a força do tempo parece poder explicar.
Eu estava nervosa na primeira apresentação, há muito tempo eu não me apresentava. Antes de apresentarmos fizemos uma vivência. Oferecemos lanches em alguns lugares. Tive medo de oferecer algo que fizesse mal para eles, muitos eram diabéticos e não podiam comer de tudo. Deus me livre fazer alguém passar mal por causa de uma Coca não dietética! Cantávamos e conversávamos buscando no pouco espaço de tempo que tínhamos conhecer um pouco daquelas histórias. Cada pessoa tem a sua imagem, a sua forma, mas eles tinham tantas... Rugas, bocas desdentadas, cabelos brancos e pretos, unhas pintadas, colunas envergadas, magreza e gordura excessivas, beleza e feiúra. Cada ruga parecia representar um caminho tão longo até ali, tão cheios de vida porque continham em si a dor e o prazer de estarem vivos.
Cada apresentação teve seu brilho, seu desafio, sua descoberta. Na primeira,
uma das idosas respondia à fala de um dos atores que gritava pela mãe. Ela dizia: Eu estou aqui! Tô aqui... Outra com a cabeça amarrada balbuciava coisas, aparentemente, sem sentido. Uma outra ria bastante. As expressões eram as mais diversas e guardavam segredos que talvez nunca serão revelados. Como será que as imagens eram recebidas por eles? Será que algo os tocou. Espero que sim... Eu fiquei muito tocada, não sei explicar bem o por quê mas fiquei. Bem, vieram outros asilos e com eles outras experiências... Enfrentamos desafios diferentes, apresentamos em lugares diversos... Apertados, com pisos tortuosos, ao ar livre, cobertos, com frio, com calor, com emoção, sem emoção, aquecidos, desaquecidos, tortos e direitos. Acredito que em algumas apresentações conseguimos nos integrar bem ao espaço, já em outras deixamos a desejar.
Em uma das apresentações eu fiquei especialmente emocionada. Lembro que
estava embaixo da cama e deu uma vontade tão grande de amar. Eu estava refletindo e me sentindo em débito comigo mesma. Eu era pequena, pequenininha... Senti uma vontade enorme de estar com os meus familiares. Quis tanto abraçar forte o meu pai e lhe contar minhas fragilidades. Queria que a minha família estivesse embaixo da cama comigo. Tive, ainda, muita vontade de ser mais solidária com as pessoas, inclusive comigo mesma. Queria livrar-me dos meus egoísmos e vaidades ( Da pequenez condição de ser humano).
Tirando as emoções também tinham os meus questionamentos. Olhava para alguns idosos e ficava me policiando para não sentir pena. Eu pensava: Por que será que quando as pessoas ficam idosas todos os seus “pecados” lhe são perdoados? Aquele “velhinho”, hoje indefeso, já fez muita gente sofrer. Foi ruim, traiu, bateu, proibiu, denegriu, mandou alguém pra puta que pariu... E daí? Isso não tem a menor importância. Ficava observando as cuidadoras sempre atentas as dietas e horários dos remédios. Práticas e sem tempo para romances. Nem tudo na vida são flores... Muitas olhavam com desconfiança para a peça. Uma me disse que achou tudo horrível. Como entender uma coisa tão esquisita?! Uma hora é menino, outra hora é homem, uma é prima, depois a mesma uma já é mãe. Que maluquice!
Bem, bom, muita coisa dessas apresentações vai ficar em mim. Foi tão gostoso apresentar para aquelas pessoas, foi um gostoso que eu não sentia a tempos. Por alguns instantes eu revivi o prazer que eu sentia com o teatro quando comecei. Hoje o prazer é diferente... Eu pensava : Que delícia apresentar para essas pessoas que nãosão acadêmicas! Que bom que elas não estudam teatro! Que bom que elas vivem e que eu as conheci! Que bom que eu conheci a dona Rosa que me disse que Rosa é o nome mais safado que tem...

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial